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O Amor – por Leon Denis
O amor é a celeste atração das almas e dos mundos, a potência divina que liga os Universos, os governa e fecunda; o amor é o olhar de Deus! Não se designe com tal nome a ardente paixão que atiça os desejos carnais. Esta não passa de uma imagem. de um grosseiro simulacro do amor. O amor é o sentimento superior em que se fundem e se harmonizam todas as qualidades do coração; é o coroamento das virtudes humanas, da doçura, da caridade, da bondade; é a manifestação na alma de uma força que nos eleva acima da matéria, até alturas divinas, unindo todos os seres e despertando em nós felicidades íntimas que se afastam extraordinariamente de todas as volúpias terrestres.
O amor, profundo como o mar, infinito como o céu, abraça todas as criaturas. Deus é o seu foco. Assim como o Sol se projeta, sem exclusões, sobre todas as coisas e reaquece a natureza inteira, assim também o amor divino vivifica todas as almas; seus raios, penetrando através das trevas do nosso egoísmo, vão iluminar com trêmulos clarões os recônditos de cada coração humano. Todos os seres foram criados para amar. As partículas da sua moral, os germes do bem que em si repousam, fecundados pelo foco supremo, expandir-se-ão algum dia, florescerão até que todos sejam reunidos numa única comunhão do amor, numa só fraternidade universal.
Léon Denis
Com todo o respeito, não somos chavistas
A morte de Cháves é um fato que já pode ser considerado parte da história da América Latina. A comoção que se abate sobre o povo venezuelano e boa parte da vanguarda latino-americana expressa a importância que o ex-presidente venezuelano teve no continente. A maioria das correntes de esquerda já apoiava Chávez. No momento de sua morte, o coro dos apoiadores ampliou-se ainda mais.
Respeitamos a dor e a comoção do que apoiam Chávez. Mas não nos somamos a esse coro. Muitas vezes é necessário saber ser minoria em defesa de princípios. É a única maneira de batalhar depois pela maioria com clareza.
Existe uma parte dos ativistas que apoia Chávez e Lula. Acham que esses governos avançaram no que é possível, com melhorias sociais que seriam impossíveis com governos de direita.
Respeitamos a posição desses ativistas. Mas não pensamos assim. Por quê? Porque seguimos sendo socialistas e anti-imperialistas.
A America Latina viveu um grande período de lutas no início desse século e levou a derrota por meio de rebeliões populares e eleições de boa parte dos governos da direita no continente. Nunca em nossa história houve tantos governos ditos ” de esquerda” como Chávez e Lula, incluindo países como Argentina, Uruguai, Bolívia, El Salvador e Nicarágua. Já estiveram também nessa onda Paraguai e Chile, agora novamente com governos de direita.
Com esses governos foi abaixo a eterna desculpa reformista da impossibilidade de avançar pelo “isolamento dos setores progressivos”. Caso Chávez e Lula quisessem, a América Latina teria pegado fogo em uma histórica mobilização anti-imperialista e anticapitalista. Bastaria que esses governos se recusassem a pagar a dívida externa para mudar a situação do continente. Se Expropriassem as multinacionais que controlam a economia de nossos países gerariam um onda revolucionária superior a que hoje sacode o Norte da África e Oriente Médio.
Mas eles se limitaram a aplicar programas sociais compensatórios – o Bolsa Família no Brasil, as Missões na Venezuela – para reduzir a pobreza. Estes planos foram sugeridos pelo Banco Mundial para compensar a brutal desigualdade que acompanhava os ajustes neoliberais. E são aplicados em toda a America Latina.
Não nos guiamos pelos discursos de Lula, tampouco pelos de Chávez. O Brasil continua sendo controlado pelas multinacionais que ganham lucros altíssimos no governo Lula, tanto ou mais que recebiam com FHC no governo. A Venezuela também segue controlada pelas multinacionais. A Exxon Mobil, a Chevron Texaco, e a Repsol seguem produzindo o petróleo venezuelano. As grandes empresas privadas mantiveram o controle da economia mesmo com Chávez. Uma prova disso é o desabastecimento e a inflação presentes no país.
Mas, dirá uma parte da vanguarda que ” Chávez não é igual a Lula”. Chávez sim, segundo esses companheiros, seria o verdadeiro governo anti-imperialista.
É verdade que Chávez e Lula tem origem diferente. Existiu uma situação revolucionária na Venezuela ocasionada pelo Caracazo, uma insurreição popular em 1989, que dividiu as Forças Armadas. Uma situação mais avançada da luta de classes que levou a um governo nacional burguês de Chávez, distinto dos governos do PT abertamente pró-imperialista surgidos de uma situação muito mais controlada da luta de classes.
Por esse motivo, o governo Chávez realizou um pouco mais de concessões às massas e imprimiu um discurso diferente de Lula e Dilma. Na Assembléia da ONU, Chávez comparou Bush ao diabo. No mesmo período, Lula se dizia “amigo de Bush”. Sim, os discursos dos dois eram bem diferentes. Os discursos, não os atos.
A dura verdade é que a economia venezuelana não tem diferenças em relação à brasileira no que toca ao controle das multinacionais. O nacionalismo de Chávez, ao não romper com o imperialismo, não mudou a situação da Venezuela. A situação dos trabalhadores da Venezuela é bem semelhante a dos brasileiros. E o petróleo venezuelano, com as nacionalizações de Chávez que mantiveram a parceria com as multinacionais, não difere em praticamente nada da situação do petróleo brasileiro.
Algumas correntes de esquerda no Brasil dizem que Chávez é diferente de Lula por “mobilizar as massas”. Mas a que tipo de mobilização se referem? A heroica luta das massas venezuelanas contra o golpe de 2002? Sim, se o imperialismo quiser invadir a Venezuela estaremos juntos nesse tipo de mobilização. Mas essa não é a realidade hoje. Nem o imperialismo nem a oposição apostam em golpes, mas sim no desgaste do governo chavista e em eleições futuras.
Já as mobilizações salariais, como as greves operárias, são sistematicamente reprimidas na Venezuela, com seus dirigentes presos e ( não raro) mortos. Os sindicatos são em sua maioria atrelados ao Estado e mobilizados.
Na política internacional, existem poucas diferenças reais. Mesmo em relação aos EUA, Chávez mudou o discurso e disse que “votaria em Obama” se fosse norte-americano.
Nem o governo brasileiro nem o venezuelano apoiam as mobilizações dos trabalhadores jovens contra os governos europeus. No Norte da África e Oriente Médio, o governo brasileiro não toma nenhuma medida realmente a favor dos povos em luta. Já Chávez apoiou vergonhosamente as ditaduras assassinas de Kadafi, na Líbia, e agora de Assad, na Síria.
Existe incoerência nos que romperam com Lula, mas seguem apoiando Chávez. O governo venezuelano, nacionalista-burguês, não deixa de ser burguês. O de Lula não é nacionalista, sendo igualmente burguês.
Nós seguimos sendo socialistas e anti-imperialistas, contra governos burgueses de direita e de esquerda. Por isso, não somos lulistas e nem chavistas.
Fonte: Jornal Opinião Socialista – ano 17 – número 457
MAIORAIS – 56 – VINHA DE LUZ
“E ele, assentando-se, chamou os doze e disse-lhes: Se alguém quiser ser o
primeiro, será o último de todos e servo de todos.” – (MARCOS, 9:35.)
Ser dos primeiros na Terra não é problema de solução complicada.Há maiorais no mundo em todas as situações.A ciência, a filosofia, o sacerdócio, tanto quanto a política, o comércio e as finanças podem exibi-los, facilmente.Os homens principais da ciência, com legitimas exceções, costumam ser grandes presunçosos; os da filosofia, argutos sofistas do pensamento; os do sacerdócio, fanáticos sem compreensão da verdadeira fé. Em política, muitos dos maiorais são tiranos; no comércio, inúmeros são exploradores e, nas finanças, muitos deles não passam de associados das sombras contra os interesses coletivos.Ser dos primeiros, no entanto, nas esferas de Jesus sobre a Terra, não é questão de fácil acesso à criatura vulgar.Nos departamentos do mundo materializado, os principais devem ser os primeiros a serem servidos e contam com a obediência compulsória de todos.Em Cristianismo puro, os espíritos dominantes são os últimos na recepção dos benefícios, porquanto são servos reais de quantos lhes procuram a colaboração fraterna.É por isto que em todas as escolas cristãs há numerosos pregadores, muitos mordomos, turbas de operários, cooperadores do culto, polemistas valiosos, doutores da letra, intérpretes competentes, reformistas apaixonados, mas raríssimos apóstolos.De modo geral, quase todos os crentes se dispõem ao ensino e ao conselho,prontos ao combate espetaculoso e à advertência humilhante ou vaidosa, poucos surgindo com o desejo de servir, em silêncio, convencidos de que toda a glória pertence a Deus.
Emmanuel
Você Sabia? Verdadeiro Dia Internacional da luta das Mulheres
Em 1910, na II Conferência de Mulheres Socialistas, foi criado o dia Internacional de Luta das Mulheres – 8 de março. Há controvérsias sobre o fato gerador da data. Mas a versão mais comum é que foi uma Homenagem as 130 operárias queimadas em uma fábrica de tecidos, em Nova Iorque, por fazerem uma greve pela redução da jornada, e por melhores condições de trabalho.
Já no início do século XX, a afirmação como dia de luta das trabalhadoras foi ainda mais forte, quando na Russia, no dia 8 de março,as operárias têxteis, revoltadas com a I Guerra Mundial que assassinava seus filhos e maridos e contra a fome e a miséria, iniciaram uma greve em que se transformou em uma greve geral dos trabalhadores russos e que foi o estopim de uma revolução que derrubou o czarismo na Russia e abriu caminho para a revolução russa de 1917. Nos países ocidentais, a data foi esquecida por longo tempo e somente recuperada pelo movimento feminista, já na década de 1960.
Na atualidade, a celebração do dia Internacional da Mulher perdeu parcialmente o seu sentido original adquirindo um caráter festivo e comercial. Nessa data os empregadores, sem certamente querer provocar o espírito das operárias grevistas do 8 de março de 1917, costumam distribuir rosas vermelhas ou pequenos mimos a suas empregadas. Muitos maridos, namorados, parceiros também costumam presentear suas companheiras, nesse dia, muitas vezes desconhecendo seu verdadeiro significado e assim acabam corroborando a ideologia machista. É necessário resgatar na sua origem e significado o Dia Internacional de Luta da Mulher.
Original: texto publicado no Boletim Informativo Especial da APEOESP – SUBSEDE RIBEIRÃO PRETO
Hecatombes locais
Estamos novamente por mais 4 anos entregues aos caos. Mais do que comprovado que 52% da população ribeirãopretana é analfabeta funcional. Votaram em alguém que não é gestor, não sabe gerir uma cidade e não sabe colocar pessoas competentes para assessorarem e destribuir comandos a máquina administrativa.
Concordo plenamente que a opção fora desta também não era muito agradável, mas lhes digo que em uma cidade tão conservadora e ainda provinciana no século XXI como Ribeirão não chegaria a provocar a desobediência política em larga escala. Apesar de uma vitória significativa: 30 % de votos nulos. 90 mil pessoas anularam seus votos por não considerarem nenhum dos dois aptos a serem prefeitos. Quer dizer que algum bom senso civil ainda pode ocorrer nesta cidade, num futuro próximo.
Mas a preocupação é a de: qual Ribeirão Preto irei ver ao fim desses próximos 4 anos? Minhas perspectivas a isso são avaçaladoras e desencorajadoras.
Nós últimos 4 anos vi minha amada cidade perder muito da qualidade de vida e riqueza a tanto ela atribuídos. Deixamos de oferecer bairros descentes e seguros a nossos moradores, temos a cidade entregue ao lixo e aos entulhos jogados por todos os cantos, canteiros e ruas da cidade. A qualidade do ar e a temperatura estão insuportáveis. E não, isso não se atribui ao aquecimento global, isso não se atribuí a vontade de São Pedro, isso se atribui a concretização em massa da cidade e a falta de áreas verdes, sistemas de arborizações urbanas contínuas e ausência de programas de educação ambiental descentes que atinjam todos os níveis sociais e faixas etárias. Temos comerciantes descontentes, temos indústrias e comércios em grande escala fechando ou fugindo para as cidades vizinhas, temos falta de fiscalização pública dos órgãos responsáveis por serviços essenciais a população, temos o pior sistema de saúde já visto de todos os tempos. Temos o meio ambiente completamente abandonado. Temos problemas de metrópoles de milhões de pessoas sem termos milhões de pessoas morando aqui. Ausência de plano diretor, de políticos respeitosos com o povo, corrupção descarada, divida municipal exorbitante, folha de pagamento comprometida em 59% com funcionários e cabides eleitoreiros o que contradiz o que a União, que recomenda no máximo 41% da renda municipal comprometida a pagamento de funcionários.
Não feliz com todas essas hecatombes locais acima, ainda temos que aturar o loteamento ou leiloamento da prefeitura a todas as legendinhas vagabundas e de menor importância política por conta de um lixo indecente do sistema eleitoreiro brasileiro chamado de COLIGAÇÃO.
Coligação é um meio político de relacionamento criado no Brasil para perpetuar o permanência de políticos corruptos no poder mesmo que a população seja contra, pois retira o direito maior a DEMOCRACIA , onde a vontade da maioria se sobrepõe a vontade da minoria, o que não ocorre quando atos coligativos entre partidos se concretizam. Retira também o direito de concorrer justamente com os partidos que não aceitam coligações políticas como PSTU, PSOL, PTB, PPBR, etc.
O supra sumo de toda o caos ribeirãopretano será aturar um ser que se comporta como prostituto político leiloando e entregando secretarias, cargos de chefia importantes para honrar uma coligação política promíscua onde, o que almejam na verdade, é a sua metade do bolo do comando municipal, inviabilizando a gestão e administração da cidade, fazendo com que nossa amada Ribeirão Preto decaia mais ainda nos índices de desenvolvimento humano e qualidade de vida, fazendo a população de trabalhadores e pessoas em sua grande maioria, que amam essa cidade, sofram ainda mais.
Discurso de Slavoj Zizek: Acordamos de um sonho que se tornou pesadelo. Não somos sonhadores.
O ensaio de Slavoj Zizek sobre o Occupy Wall Street é um banho de sobriedade, realidade e determinação sobre os movimentos socialistas globalizados do mundo. For you who want to read the essay in English visit: http://www.versobooks.com/blogs/736-slavoj-zizek-at-occupy-wall-street-we-are-not-dreamers-we-are-the-awakening-from-a-dream-which-is-turning-into-a-nightmare.
Slavoj Žižek visitou a Liberty Plaza, em Nova Iorque, para falar ao acampamento de manifestantes do movimento Occupy Wall Street (Ocupe Wall Street), que vem protestando contra a crise financeira e o poder econômico norte-americano desde o início de setembro deste ano.
O filósofo nos enviou na íntegra de seu discurso para a publicação original no Blog Boi Tempo, a tradução é de Rogério Bettoni. Caso deseje ler a versão original em inglês, está disponível no site da Verso Books (assim como outros comentários de filósofos e cientistas sociais sobre o movimento Occupy Wall Street).
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Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que QUEREMOS. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.
Então não culpe o povo e suas atitudes: o problema não é a corrupção ou a ganância, mas o sistema que nos incita a sermos corruptos. A solução não é o lema “Main Street, not Wall Street”, mas sim mudar o sistema em que a Main Street não funciona sem o Wall Street. Tenham cuidado não só com os inimigos, mas também com falsos amigos que fingem nos apoiar e já fazem de tudo para diluir nosso protesto. Da mesma maneira que compramos café sem cafeína, cerveja sem álcool e sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isto aqui em um protesto moral inofensivo. Mas a razão de estarmos reunidos é o fato de já termos tido o bastante de um mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar um cappuccino da Starbucks que tem 1% da renda revertida para problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois de terceirizar o trabalho, depois de terceirizar a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar até nossos encontros, é que percebemos que, há muito tempo, também permitimos que nossos engajamentos políticos sejam terceirizados – mas agora nós os queremos de volta.
Dirão que somos “não americanos”. Mas quando fundamentalistas conservadores nos disserem que os Estados Unidos são uma nação cristã, lembrem-se do que é o Cristianismo: o Espírito Santo, a comunidade livre e igualitária de fiéis unidos pelo amor. Nós, aqui, somos o Espírito Santo, enquanto em Wall Street eles são pagãos que adoram falsos ídolos.
Dirão que somos violentos, que nossa linguagem é violenta, referindo-se à ocupação e assim por diante. Sim, somos violentos, mas somente no mesmo sentido em que Mahatma Gandhi foi violento. Somos violentos porque queremos dar um basta no modo como as coisas andam – mas o que significa essa violência puramente simbólica quando comparada à violência necessária para sustentar o funcionamento constante do sistema capitalista global?
Seremos chamados de perdedores – mas os verdadeiros perdedores não estariam lá em Wall Street, os que se safaram com a ajuda de centenas de bilhões do nosso dinheiro? Vocês são chamados de socialistas, mas nos Estados Unidos já existe o socialismo para os ricos. Eles dirão que vocês não respeitam a propriedade privada, mas as especulações de Wall Street que levaram à queda de 2008 foram mais responsáveis pela extinção de propriedades privadas obtidas a duras penas do que se estivéssemos destruindo-as agora, dia e noite – pense nas centenas de casas hipotecadas…
Nós não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que merecidamente entrou em colapso em 1990 – e lembrem-se de que os comunistas que ainda detêm o poder atualmente governam o mais implacável dos capitalismos (na China). O sucesso do capitalismo chinês liderado pelo comunismo é um sinal abominável de que o casamento entre o capitalismo e a democracia está próximo do divórcio. Nós somos comunistas em um sentido apenas: nós nos importamos com os bens comuns – os da natureza, do conhecimento – que estão ameaçados pelo sistema.
Eles dirão que vocês estão sonhando, mas os verdadeiros sonhadores são os que pensam que as coisas podem continuar sendo o que são por um tempo indefinido, assim como ocorre com as mudanças cosméticas. Nós não estamos sonhando; nós acordamos de um sonho que está se transformando em pesadelo. Não estamos destruindo nada; somos apenas testemunhas de como o sistema está gradualmente destruindo a si próprio. Todos nós conhecemos a cena clássica dos desenhos animados: o gato chega à beira do precipício e continua caminhando, ignorando o fato de que não há chão sob suas patas; ele só começa a cair quando olha para baixo e vê o abismo. O que estamos fazendo é simplesmente levar os que estão no poder a olhar para baixo…
Então, a mudança é realmente possível? Hoje, o possível e o impossível são dispostos de maneira estranha. Nos domínios da liberdade pessoal e da tecnologia científica, o impossível está se tornando cada vez mais possível (ou pelo menos é o que nos dizem): “nada é impossível”, podemos ter sexo em suas mais perversas variações; arquivos inteiros de músicas, filmes e seriados de TV estão disponíveis para download; a viagem espacial está à venda para quem tiver dinheiro; podemos melhorar nossas habilidades físicas e psíquicas por meio de intervenções no genoma, e até mesmo realizar o sonho tecnognóstico de atingir a imortalidade transformando nossa identidade em um programa de computador. Por outro lado, no domínio das relações econômicas e sociais, somos bombardeados o tempo todo por um discurso do “você não pode” se envolver em atos políticos coletivos (que necessariamente terminam no terror totalitário), ou aderir ao antigo Estado de bem-estar social (ele nos transforma em não competitivos e leva à crise econômica), ou se isolar do mercado global etc. Quando medidas de austeridade são impostas, dizem-nos repetidas vezes que se trata apenas do que tem de ser feito. Quem sabe não chegou a hora de inverter as coordenadas do que é possível e impossível? Quem sabe não podemos ter mais solidariedade e assistência médica, já que não somos imortais?
Em meados de abril de 2011, a mídia revelou que o governo chinês havia proibido a exibição, em cinemas e na TV, de filmes que falassem de viagens no tempo e histórias paralelas, argumentando que elas trazem frivolidade para questões históricas sérias – até mesmo a fuga fictícia para uma realidade alternativa é considerada perigosa demais. Nós, do mundo Ocidental liberal, não precisamos de uma proibição tão explícita: a ideologia exerce poder material suficiente para evitar que narrativas históricas alternativas sejam interpretadas com o mínimo de seriedade. Para nós é fácil imaginar o fim do mundo – vide os inúmeros filmes apocalípticos –, mas não o fim do capitalismo.
Em uma velha piada da antiga República Democrática Alemã, um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que todas as suas correspondências serão lidas pelos censores, ele diz para os amigos: “Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa”. Depois de um mês, os amigos receberam a primeira carta, escrita em azul: “Tudo é uma maravilha por aqui: os estoques estão cheios, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas prontas para um romance – a única coisa que não temos é tinta vermelha.” E essa situação, não é a mesma que vivemos até hoje? Temos toda a liberdade que desejamos – a única coisa que falta é a “tinta vermelha”: nós nos “sentimos livres” porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade. O que a falta de tinta vermelha significa é que, hoje, todos os principais termos que usamos para designar o conflito atual – “guerra ao terror”, “democracia e liberdade”, “direitos humanos” etc. etc. – são termos FALSOS que mistificam nossa percepção da situação em vez de permitir que pensemos nela. Você, que está aqui presente, está dando a todos nós tinta vermelha.
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Para aqueles que se interessaram pelo conteúdo do discurso, recomendamos a leitura de Primeiro como tragédia, depois como farsa (Boitempo, 2011), livro no qual Žižek discute a crise financeira de 2008 e a hipótese do comunismo em nossos dias atuais. O livro já está à venda em versão eBook na Livraria Cultura e na Gato Sabido. Confira outros títulos disponíveis no formato em nossa página de eBooks.
Curiosidade: a camiseta vermelha que Žižek usa durante seu discurso foi um presente da Boitempo ao filósofo, durante sua última passagem pelo Brasil em maio deste ano. Ela estampa a caricatura de Karl Marx e Friedrich Engels feita por Cássio Loredano para a capa de A ideologia alemã.
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Slavoj Žižek nasceu na cidade de Liubliana, Eslovênia, em 1949. É filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós-modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é um dos diretores do centro de humanidades da University of London. Dele, a Boitempo publicou Bem-vindo ao deserto do Real! (2003), Às portas da revolução (escritos de Lenin de 1917) (2005), A visão em paralaxe (2008), Lacrimae rerum (2009) e os mais recentes Em defesa das causas perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa(ambos de 2011).
Fontes:
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http://boitempoeditorial.wordpress.com/2011/10/11/a-tinta-vermelha-discurso-de-slavoj-zizek-aos-manifestantes-do-movimento-occupy-wall-street/
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http://www.versobooks.com/blogs/736-slavoj-zizek-at-occupy-wall-street-we-are-not-dreamers-we-are-the-awakening-from-a-dream-which-is-turning-into-a-nightmare
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http://www.youtube.com
Ler deveria ser Proibido
A Elegância do Comportamento – Toulouse Lautrec